21 de janeiro de 2013

Meus Contos:



Para vocês, mais um Conto de minha autoria:  



Numa dada manhã de domingo; uma manhã ensolarada de céu limpo, temperatura amena e agradável, silenciosa e tranquila, com pouquíssimo movimento pelas ruas, lá ia ele, sentindo os solavancos e ouvindo os chiados intermitentes, sentado no banco pouco confortável do ônibus quase vazio, indo de volta pra casa depois de uma noite intensamente vivida.
Manhã prazerosa que exaltava ainda mais a satisfação da luxuriosa noite de amor que teve; noite em que se entregou com lascívia à volúpia desenfreada e aos delírios incontidos da paixão que o deixaram completamente fatigado e exaurido, – entregue, sentindo até as pernas bambas. Nem mesmo o banho frio que, logo cedo pela manhã, tomou no hotel onde passou a noite, foi suficiente para refazê-lo.
Ainda com os cabelos molhados, sentindo-se esgotado, com os braços esticados segurando no banco da frente tentando se equilibrar dos movimentos do ônibus, de cabeça erguida, – observando pelo para-brisa o trajeto do ônibus – lá ia ele ao lado da sua cúmplice: sua adorada jovem amante, também com os cabelos ainda molhados do banho, dando-lhe a impressão de ser ainda mais bonita do que já era, enaltecendo a satisfação e o prazer da extasiante noite que juntos tiveram. 
Sentindo a pressão da mão dela na perna tentado se apoiar para também se equilibrar do movimento de vai e vem do ônibus, e vendo-a esboçar sorrisos encantadores que externavam imensa satisfação, calado – sem dizer palavra, olhando aqui e acolá por onde passavam, lá ia ele ao lado dela, apesar da fadiga, com o coração em chamas...
No silêncio dos dois, o ruído estridente e o sacolejar do ônibus, aos relances, eles trocavam sorrisos, e assim iam...
Dali a pouco, distraído olhando pra cá e pra lá, ele sentiu a mão dela lhe apertar ainda mais a perna. Nisso, olhou pra ela e a viu lhe olhando com expressão enigmática – esboçando sorrisos marotos e não menos sensuais, porém sem dizer nada, permanecia calada lhe olhando... Com isso, ele foi induzido a pensar ser prazer o que ela expressava e sentia, mas sem entender o porquê e não ter certeza do gesto e dos olhares dela, também não disse nada e continuou olhando pra frente.
Não demorou muito, entre uma freada e outra, com o ônibus parando e saindo, pessoas subindo e descendo, ela apertou outra vez sua perna e quebrou o silêncio:
— Você sabe o que a “peixinha” falou pro “peixinho”? – perguntou ela lhe sorrindo.
Ele olhou espantado, não entendeu absolutamente nada e nem o porquê da pergunta e não respondeu de pronto, já imaginando ser uma “pegadinha”, uma “piada” ou coisa assim, só depois, depois mais pensar e ainda cheio de dúvida e até precavido ele respondeu:
— Não, não sei! – respondeu ele, e aos sorrisos, já esperando ouvir alguma coisa engraçada, continuou. O que ela falou?
— Sou “apeixonada” por você. – disse ela sorrindo um sorriso de expectativa.  
Ele não achou graça nenhuma, e muito menos entendeu o trocadilho; ficou calado olhando pra ela pensando:
“Apeixonada?... Que graça tem nisso?”
Pensou já achando tudo uma grande bobagem. O que tinha a ver a “peixinha” e o “peixinho” com eles? Por que ela disse: “apeixonada” e não apaixonada? Que conversa era aquela? Só podia ser bobagem mesmo; bobagem que não dava pra entender. Todavia, pra que ela não se sentisse frustrada, decepcionada ou coisa parecida, não comentou, ficou olhando pra ela aos sorrisos, porém eram meios-sorrisos – sorrisos de dúvida, e ela, claro, não deixou de perceber. Mas não se falaram, continuaram olhando pra frente observando o trajeto do ônibus.
Dali a pouco, ela voltou:
— E sabe o que eu falo pra você?
Ele olhou mais espantado ainda, só que agora cheio de curiosidade, tentando fazer correlação com o que ouvi. Ela devia ter usado o que a “peixinha” disse ao “peixinho” para ter um pé, uma forma sagaz e astuta de dizer o que queria; imaginava isso, entretanto, não fazia nem ideia do que ouviria depois de responder a pergunta:
— Não, não sei! – respondeu e ficou olhando pra ela cheio de curiosidade aguardando com expectativa o que ela diria.
Ela ouviu a resposta, baixou o olhar aos sorrisos, e ficou, por momentos, sorrindo dando a nítida impressão de estar comedida, prudente ou receosa pensando antes de complementar, e ele ávido de expectativa.
Em seguida, ela levantou o olhar e olhou, agora, com semblante sóbrio, sem, entretanto, deixar de esboçar os sorrisos cativantes que, como sempre, emoldurava seu rosto de boneca, falando em tom meigo quase inaudível:
— Sou apaixonada por você... – murmurou fitando-lhe os olhos notadamente querendo ser convincente, lhe apertando a perna com mais força ainda.
O coitado ouviu, e dessa vez, não ficou espantado, ficou abestalhado, aturdido. Tá certo que ele presumia de que ela gostasse dele, tinha quase absoluta certeza disso, porém não esperava jamais ouvir uma declaração como aquela e dita de forma irresistivelmente encantadora. Era de inebriar, de sentir-se embevecido, de tirar as palavras; se não sabia o que pensar muito menos o que falar, – como não falou. Permaneceu calado, olhando pra frente e sorrindo feito um bobo.
Se não bastasse ouvir o que ouvi, ela voltou no mesmo tom extasiante, lhe apertando a perna parecendo querer esmagá-la com a mão, lhe olhando, de rosto quase colado e se expressando de forma mais sensual ainda:
— Você é meu “cacho”... – disse ela aos sorrisos. 
Nessa hora ele sentiu um “engasgo” seco descendo garganta abaixo e arrepios correndo pela espinha indo desde os dedos dos pés até à nuca, lhe deixando trêmulo de emoção. Se já se sentia cativado por ela, depois disso então... Era demais ouvir... De engrandecer qualquer um. Pois não era uma simples palavra que ela usava, e sim uma expressão com a qual as mulheres, na época, conotavam e enfatizavam seu inegável e incondicional amor por alguém.
E ele sabia muito bem do seu significado. Era comparar alguém a um cacho de uva, de fruto doce saboroso e irresistível, porém cheio de “galhos” toleráveis, admitidos e aceitos, o que sem dúvida alguma, mexia com brio exaltando e enlevando o amor-próprio e o orgulho de qualquer homem. 
Com isso, mesmo envaidecido e com a autoestima enobrecida, ele parecia ter perdido a fala – que ficou mudo, sem palavras para exprimir o que sentia. Naquele instante, a emoção era muito mais forte do que ele e não lhe permitia falar nada; permaneceu, aos sorrisos, sentindo extremo e imensurável orgulho, de olhos baixos olhando o assoalho do ônibus completamente sem ação... 
J.R.Viviani
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